quinta-feira, 5 de abril de 2012

Alberto Caeiro, o Mestre


         
         Para iniciar a biografia de hoje, vamos definir o que significa “heterônimo”. Quando falamos em pseudônimo, falamos em nomes diferentes para uma mesma personalidade, há quem pense que foi isto o que fez Fernando Pessoa, assinar sob pseudônimos diferentes, ledo engano, na verdade a façanha de Pessoa foi a de ter vários heterônimos, que ao contrario de pseudônimos, constituem varias pessoas em um único poeta. Assim explicou Pessoa: “Por qualquer motivo temperamental que me não proponho analisar, nem importa que analise, construí dentro de mim várias personagens distintas entre si e de mim, personagens essas a que atribuí poemas vários que não são como eu, nos meus sentimentos e idéias”.
Hoje falaremos do mestre dos heterônimos e do próprio Fernando Pessoa: Alberto Caeiro.

1-Personagem real

Segundo a cronologia mais divulgada, Pessoa situou a 16 de Abril de 1889, em Lisboa, o nascimento de Caeiro. Dentre todos os seus heterônimos este é o mais ignorante no sentido de ser o menos culto, órfão de pai e mãe, não exerceu nenhuma profissão e estudou apenas até a 4ª série. Era um homem simples, criado no campo, viveu grande parte de sua vida no Riba Tejo, na quinta de sua tia-avó idosa, e nele vivia alheio à alta sofisticação cultural. Teve uma vida curta, morreu em Lisboa em junho de 1915, quando contava apenas 26 anos, de tuberculose.
Pessoa descrevia Caeiro como magro, de estatura média, frágil apesar de não aparentar o quão o era, não usava barba, era louro e tinha olhos azuis. Segundo toda esta descrição fica difícil entender o porquê de Alberto Caeiro ser o mestre dos outros heterônimos e do próprio Fernando Pessoa Ortônimo, mas Pessoa nos explica que ele é mestre de paganismo, nos ensina uma visão não cristã, não judaica, não espiritualizada da vida e do mundo. Para Caeiro, o mundo não é um enigma, um mistério que devemos tentar desvendar, nem o que vemos tem um sentido oculto pro trás das aparências. Desta forma Caeiro conseguiu submeter o pensar ao sentir e isso lhe permitiu viver sem dor, envelhecer sem angustia e morrer sem desespero, não procurava encontrar sentido para as coisas que o rodeavam, era inteiro, não fragmentado e sentia sem pensar.
Foi o poeta do real objetivo, pois em suas obras demonstrava aceitar a realidade e o mundo exterior como são com alegria ingênua e contemplação, recusando a subjetividade e a introspecção, o misticismo foi banido do seu universo; e também foi o poeta da natureza, porque  integra-se nas leis do universo como se fosse um rio ou uma árvore, rendendo-se ao destino e à ordem natural das coisas.
Demonstrava também através de seus poemas, viver no presente, não querer saber do passado ou do futuro, apenas de um tempo objetivo que coincide com a sucessão dos dias e das estações, a natureza é a sua verdade absoluta. Desejava abolir a consciência dos seus próprios pensamentos (o vício de pensar), pois deste modo todos seriam alegres e contentes.

Dentre suas principais características estilísticas estão:

-Estilo discursivo;
-Pendor argumentativo;
-Transformação do abstrato no concreto, frequentemente através da comparação;
-Predomínio do substantivo concreto sobre o adjetivo;
-Linguagem simples e familiar;
-Liberdade estrófica e métrica e ausência de rima;
-Predomínio do Presente do Indicativo;
-Raro uso de metáforas.

Sua obra é composta por 104 poemas, sendo 49 em O guardador de Rebanhos, 6 em O Pastor Amoroso e 49 em Poemas Inconjuntos.

2-Análise da obra

Quando vier a Primavera
(Alberto Caeiro)

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E sãs arvores não serão menos verdes que na primavera passada
A realidade não precisa mais de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobe o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem cantar e dançar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.


        Vamos iniciar a analise deste poema analisando juntamente as duas primeiras estrofes, temo na primeira: “Quando vier a Primavera,/Se eu já estiver morto,/As flores florirão da mesma maneira/E sãs arvores não serão menos verdes que na primavera passada/A realidade não precisa mais de mim.” E na segunda: ”Sinto uma alegria enorme/Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma”. Essas duas estrofes fazem introdução ao poema e à uma temática ao qual Caeiro gostava muito que era a sua posição face a natureza. Sua maior ambição era deixar de pensar, acreditava demasiadamente na necessidade de simplificar a vida. Ao descrever a chegada da primavera e imaginar-se morto, o eu-lirico transmite uma sensação de naturalidade, pois a natureza não pensa e todos os seus processos são conjuntos e não individuais. Na natureza a ausência de um ser não para a evolução dos demais, então o eu-lirico pensa que se a natureza ignora sua morte é porque ela o aceita como seu constituinte.
        Na terceira estrofe temos: “Se soubesse que amanhã morria/E a Primavera era depois de amanhã,/Morreria contente, porque ela era depois de amanhã./Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?/Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;/E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse./Por isso, se morrer agora, morro contente,/Porque tudo é real e tudo está certo.” E no quarto: “Podem rezar latim sobe o meu caixão, se quiserem./Se quiserem, podem cantar e dançar à roda dele./Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências./O que for, quando for, é que será o que é.” Temos como característica principal nestas estrofes a aceitação do destino, que é um outro ponto fundamental na visão do mundo de Alberto Caeiro. Na sua visão do mundo o homem não luta contra o destino, antes, o aceita sem discussão, na sua inevitabilidade. Não aceitar o destino seria pensar na vida e não aceitá-la tal como ela é. Este objetivismo absoluto de Caeiro é por vezes difícil de compreender, mas é, também, imensamente simples. 



REFERENCIAS

RODRIGUES, M., CASTRO, D., ACHCAR, F., JUNIOR, J. de P. R. Literatura Portuguesa. Ed. Ática. 2ª edição. São Paulo, 1997.

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