Para iniciar
a biografia de hoje, vamos definir o que significa “heterônimo”.
Quando falamos em pseudônimo, falamos em nomes diferentes para uma mesma
personalidade, há quem pense que foi isto o que fez Fernando Pessoa, assinar
sob pseudônimos diferentes, ledo engano, na verdade a façanha de Pessoa foi a
de ter vários heterônimos, que ao contrario de pseudônimos, constituem varias pessoas
em um único poeta. Assim explicou Pessoa: “Por qualquer motivo
temperamental que me não proponho analisar, nem importa que analise, construí
dentro de mim várias personagens distintas entre si e de mim, personagens essas
a que atribuí poemas vários que não são como eu, nos meus sentimentos e
idéias”.
Hoje falaremos do
mestre dos heterônimos e do próprio Fernando Pessoa: Alberto Caeiro.
1-Personagem real
Segundo a
cronologia mais divulgada, Pessoa situou a 16 de Abril de 1889, em Lisboa, o
nascimento de Caeiro. Dentre todos os seus heterônimos este é o mais ignorante
no sentido de ser o menos culto, órfão de pai e mãe, não exerceu nenhuma
profissão e estudou apenas até a 4ª série. Era um homem simples, criado no
campo, viveu grande parte de sua vida no Riba Tejo, na quinta de sua tia-avó
idosa, e nele vivia alheio à alta sofisticação cultural. Teve uma vida curta,
morreu em Lisboa em junho de 1915, quando contava apenas 26 anos, de
tuberculose.
Pessoa
descrevia Caeiro como magro, de estatura média, frágil apesar de não aparentar
o quão o era, não usava barba, era louro e tinha olhos azuis. Segundo toda esta descrição
fica difícil entender o porquê de Alberto Caeiro ser o mestre dos outros
heterônimos e do próprio Fernando Pessoa Ortônimo, mas Pessoa nos explica que
ele é mestre de paganismo, nos ensina uma visão não cristã, não judaica, não espiritualizada
da vida e do mundo. Para Caeiro, o mundo não é um enigma, um mistério que
devemos tentar desvendar, nem o que vemos tem um sentido oculto pro trás das
aparências. Desta forma Caeiro conseguiu submeter o pensar ao sentir e isso lhe
permitiu viver sem dor, envelhecer sem angustia e morrer sem desespero, não
procurava encontrar sentido para as coisas que o rodeavam, era inteiro, não
fragmentado e sentia sem pensar.
Foi o poeta do
real objetivo, pois em suas
obras demonstrava aceitar a realidade e o mundo exterior como são com alegria
ingênua e contemplação, recusando a subjetividade e
a introspecção, o misticismo
foi banido do seu universo; e também foi o poeta da natureza, porque integra-se nas leis do universo
como se fosse um rio ou uma árvore, rendendo-se ao destino e à ordem natural
das coisas.
Demonstrava também através de seus poemas, viver
no presente, não querer saber do passado ou do futuro, apenas de um tempo objetivo
que coincide com a sucessão dos dias e das estações, a natureza é a sua verdade absoluta. Desejava abolir a consciência
dos seus próprios pensamentos (o vício de pensar), pois deste modo todos seriam
alegres e contentes.
Dentre suas
principais características estilísticas estão:
-Estilo discursivo;
-Pendor argumentativo;
-Transformação do abstrato no concreto, frequentemente através da comparação;
-Linguagem simples e familiar;
-Predomínio do Presente do Indicativo;
-Raro uso de metáforas.
Sua obra é composta por 104 poemas, sendo 49
em O guardador de Rebanhos, 6 em O Pastor Amoroso e 49 em Poemas Inconjuntos.
2-Análise da
obra
Quando vier a Primavera
(Alberto Caeiro)
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E sãs arvores não serão menos verdes que na primavera
passada
A realidade não precisa mais de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no
seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobe o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem cantar e dançar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
Vamos iniciar a analise deste poema analisando juntamente
as duas primeiras estrofes, temo na primeira: “Quando vier a Primavera,/Se eu já estiver morto,/As flores florirão da
mesma maneira/E sãs arvores não serão menos verdes que na primavera passada/A realidade
não precisa mais de mim.” E na segunda: ”Sinto uma alegria enorme/Ao pensar que a minha morte não tem importância
nenhuma”. Essas duas estrofes fazem introdução ao poema e à uma temática ao
qual Caeiro gostava muito que era a sua posição face a natureza. Sua maior
ambição era deixar de pensar, acreditava demasiadamente na necessidade de
simplificar a vida. Ao descrever a chegada da primavera e imaginar-se morto, o
eu-lirico transmite uma sensação de naturalidade, pois a natureza não pensa e
todos os seus processos são conjuntos e não individuais. Na natureza a ausência
de um ser não para a evolução dos demais, então o eu-lirico pensa que se a
natureza ignora sua morte é porque ela o aceita como seu constituinte.
Na terceira estrofe temos: “Se soubesse que amanhã morria/E a Primavera era depois de amanhã,/Morreria
contente, porque ela era depois de amanhã./Se esse é o seu tempo, quando havia
ela de vir senão no seu tempo?/Gosto que tudo seja real e que tudo esteja
certo;/E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse./Por isso, se
morrer agora, morro contente,/Porque tudo é real e tudo está certo.” E no
quarto: “Podem rezar latim sobe o meu
caixão, se quiserem./Se quiserem, podem cantar e dançar à roda dele./Não tenho preferências
para quando já não puder ter preferências./O que for, quando for, é que será o
que é.” Temos como característica principal nestas estrofes a aceitação do destino, que é um outro ponto fundamental na
visão do mundo de Alberto Caeiro. Na sua visão do mundo o homem não luta contra
o destino, antes, o aceita sem discussão, na sua inevitabilidade. Não aceitar o
destino seria pensar na vida e não aceitá-la tal como ela é. Este objetivismo
absoluto de Caeiro é por vezes difícil de compreender, mas é, também,
imensamente simples.
REFERENCIAS
RODRIGUES,
M., CASTRO, D., ACHCAR, F., JUNIOR, J. de P. R. Literatura Portuguesa. Ed. Ática. 2ª edição. São Paulo, 1997.
Ótima análise! Caeiro foi extremamente bem descrito e o poema em si descreve Caeiro.
ResponderExcluircão frito
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