quinta-feira, 12 de abril de 2012

O Pagão, Ricardo Reis.



Ricardo Reis;

Ricardo Reis (19 de setembro de 1887) é um dos três heterônimos mais conhecidos de, Fernando Pessoa, tendo sido imaginado de relance pelo poeta em 1913 quando lhe veio à ideia escrever uns poemas de índole pagã.
Este personagem de Fernando Pessoa teria sido criado em 1912. Pessoa considera este heterônimo como o primeiro que a ele se revelou, ainda que não tenha sido o primeiro a iniciar a sua atividade literária. Ricardo Reis estaria latente desde o ano de 1912, mas só em março de 1914 o autor das Odes iniciaria a sua produção. Em outro texto, Pessoa afirma que Ricardo Reis “nasceu” dentro dele em 1914. Também a respeito da biografia do heterônimo Fernando Pessoa apresenta dados distintos, ora diz que nasceu em Lisboa, ora no Porto.  De acordo com Pessoa, Ricardo Reis foi educado em um colégio de jesuítas, recebendo, pois, uma formação clássica e latinista e imbuído de princípios conservadores, elementos que são transportados para a sua concepção poética.
Reis é marcado por uma profunda simplicidade da concepção da vida, por uma intensa serenidade na aceitação da relatividade de todas as coisas. Médico de profissão, o heterônimo era monárquico, fato que o levou a se auto-isolar por anos no Brasil. Na sua biografia não consta a sua morte, no entanto José Saramago fez uma intervenção sobre o assunto no livro “O ano da morte de Ricardo Reis”, situando a morte de Reis em 1936.


Sobre as Obras;

As primeiras obras de Reis foram publicados em 1924, na revista Athena, fundada por  Fernando Pessoa. Mais tarde foram publicados oito odes, entre 1927 e 1930, na revista Presença, de Coimbra. Os restantes poemas e prosas são de publicação póstuma.
Sua obra apresenta um epicurismo triste, uma vez que busca o prazer relativo, uma verdadeira ilusão da felicidade por saber que tudo é transitório. A apatia, ou seja, a indiferença constitui o ideal ético, pois, de acordo com o Poeta, há necessidade de saber viver com calma e tranquilidade, abstendo-se de esforços inúteis para obter uma glória ou virtude, que nada acrescentam à vida.
Ricardo Reis refugia-se na aparente felicidade pagã que lhe atenua o desassossego. Procura alcançar a quietude e a perfeição dos deuses, desenhando um novo mundo à sua medida, que se encontra por detrás das aparências. Afirma uma crença nos deuses e nas presenças quase-divinas que habitam todas as coisas. Afirma que os homens se devem considerar "deidades exiladas", com direito a vida própria.
Considera que sendo o destino "calmo e inexorável" acima dos próprios deuses, temos necessi­dade do autodomínio, de nos portarmos "altivamente" como "donos de nós-mesmos", construindo o nosso "fado voluntário". Devemos procurar, voluntariamente, submetermo-nos, ainda que só possamos ter a ilusão da liberdade.
Pagão por caráter e pela formação helénica e latina, há na sua poesia uma actualização de estoicismo e epicurismo, juntamente com uma postura ética e um constante diálogo entre o passado e o presente.

As formas das obras;

As Poesias de Ricardo Reis seguem sempre uma forma: a ode.
A ode surgiu na Grécia e etimologicamente a palavra “ode” significa “canção”. Era, pois em regra um poema lérico, frequentemente cantado e acompanhado por música. Como teve vários autores originais, a ode tomou o nome desses autores, nas suas diversas variações. Assim temos a ode alcaica (Alceu), sáfica (Safo), asclépiadeia (Asclepíades) e pindárica (Píndaro).
Da Grécia a ode evolui, em Roma, com Horácio, que utilizou sobretudo a ode alcaica, com quatro versos. É deste cânone – a estrofe alcaica Horaciana – que Ricardo Reis tira a sua métrica: odes de quatro versos, dois decassilábicos e dois hexassilábicos com versos brancos e sem rima. Há exceções, porém esta é a sua métrica dominante.  
A ode define-se também por seguir uma estrutura régida em três partes: estrofe, antiestrofe e epodo – tema, desenvolvimento (resposta ao tema) e conclusão do poema.


Análise da Obra;

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
(Ricardo Reis)

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos).

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimentos demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço
.

12/06/1914
Poema XII do projeto de 1914.


Ode de certo modo emblemática de Reis, este poema sintetiza em si mesmo alguns dos principais temas mais queridos a este heterónimo, nomeadamente a passagem da vida alheia, a quem nela vive e a eterna mudança da realidade, em que nada permanece alguma vez igual.
É um diálogo do poeta com Lídia. Nota-se que tanto Lídia como o seu interlocutor são "crianças grandes", que nunca se tocam nem se beijam. – destaque feito pelo iminente critico Pessoano Angel Crespo.
Os seguintes temas estão nesta Ode:
1) o medo do futuro para além da segurança da infância ("Sofro, Lídia, do medo do destino);
2) o ideal de "uma vida passiva e silenciosa" (Angel Crespo) ("Deixem-me os deuses minha vida sempre sem renovar);
3) a infância como idade ideal, para os espíritos puros (como ele e Lídia, ambos simbolicamente crianças) (Ficando eu quase sempre o mesmo/Indo para a velhice como um dia entre no anoitecer).
A presença de Lídia recorda a fixação do belo, um fino símbolo do amor presente, mas intocado, que assim permanece eterno.
Reis convida Lídia a sentar-se e convida-a apenas a comtemplação do rio. O rio é então comparado à vida e a simples metáfora sintetiza na perfeição o epicurismo filtrado de Reis – a fruição limitada dos prazeres da vida, apenas na devida dimensão da necessidade racional.
O enlace das mãos – um gesto terno, mas que não toma uma dimensão sensual, muito menos erótica – representa a união dos dois seres num ato de pensamento deliberado. Simples como um ritual, o gesto de Reis é simbólico em si mesmo – a cristalização da infância como período fundamental da vida, período edílico a que se retorna sempre em temor de dificuldades.
Através deste poema, podemos sentir em Ricardo Reis o seu esforço de adaptação à vida, numa tentativa de evitar os efeitos do destino. Por isso, a poesia deste heterónimo tem um tom triste e quase apático já que o “eu” poético não se permite viver intensamente.



Referencias:

Maria Oliveira e Maria Pereira; “Fernando Pessoa: O amor interdito?” in Actas do IV Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, II Vol., Fund. Eng. Antônio de Almeida, 1991.


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